terça-feira, 21 de abril de 2015

Na 'Lava Jato italiana', peso dos partidos era diferente, diz filho de condenado

Na 'Lava Jato italiana', peso dos partidos era diferente, diz filho de condenado

Stefano Bolognini - Wikimedia Commons
Vittorio Craxi diz que risco de partidos que estão por período "prolongado" no poder é o fisiologismo

Nos anos 1990, uma das maiores operações anticorrupção da história europeia expôs uma rede com tentáculos nos principais setores da vida política e econômica na Itália.

Foi a Operação Mãos Limpas, ou Mani Pulite, que ajudou a desmantelar esquemas de pagamento de propina por empresas privadas interessadas em garantir contratos com estatais e órgãos públicos e desvio de recursos para o financiamento de campanhas políticas.
A investigação levou ao fim da chamada Primeira República Italiana, cujas principais forças políticas tinham sido a Democracia Cristã (DC) e o Partido Socialista Italiano (PSI).
Bettino Craxi foi líder do PSI entre 1976 e 1993. Foi, também, primeiro-ministro da Itália, entre agosto de 1983 e abril de 1987. Em 1992, foi acusado pela Mãos Limpas de corrupção e financiamento ilegal de partido. Condenado, exilou-se na Tunísia e não cumpriu a pena. Morreu em 2000.
O PSI não chegou a ser extinto e existe até hoje, ainda que com pouca participação no cenário político italiano.
A Mãos Limpas italiana seria a fonte de inspiração de muitos policiais e procuradores que atuam na operação Lava Jato, que investiga o desvio de recursos da Petrobras para partidos políticos, segundo o jornal Folha de S.Paulo.
BBC
Bettino Craxi foi condenado após mega-operação que desvendou esquemas de corrupção na Itália
Mas para Vittorio Craxi, conhecido como Bobo Craxi, filho de Bettino Craxi e ex-deputado pelo PSI, a Operação Mãos Limpas piorou a situação no país. Segundo Craxi, se antes no meio político havia desvios ilegais para prover fundos a partidos, hoje cometem-se ilegalidades "para financiar-se a si mesmo".
Veja abaixo a entrevista dada à BBC Brasil.
BBC Brasil - É possível estabelecer um paralelo com o que ocorreu na Itália durante a Operação Mãos Limpas com a Operação Lava Jato? O PT pode perder a sua força?
Vittorio Craxi - Acho difícil fazer uma comparação com o que ocorreu na Itália pois o PT é muito maior e mais forte no Brasil do que o Partido Socialista Italiano era naquela época. Embora fosse do poder, o PSI era muito menor do que o PT, não tinha a mesma força que o PT tem hoje no Brasil.
O PT ainda tem condições de se reerguer porque conta com uma história recente de crescimento econômico e com a força do seu líder, (o ex-presidente) Lula, que ainda é muito popular.
BBC Brasil - Apesar disso, dirigentes do partido foram condenados por corrupção.
Craxi - É inevitável que depois de uma prolongada permanência no poder ocorram episódios de corrupção. O risco de degeneração é fisiológico. No Brasil dos últimos anos o crescimento econômico gerou muita 'desenvoltura' no mundo dos negócios, com políticos de esquerda atuando como se fossem de direita.
Este foi o erro do PT, aderir às prerrogativas dos partidos de direita, que defendem o mundo financeiro, o capitalismo liberal e a iniciativa privada.
O partido deve ser salvo com a regeneração dos dirigentes e não com a abolição do próprio partido.
Os brasileiros acabaram de votar e deverão mudar o presidente nas próximas eleições. Esta é a democracia: respeito ao voto dos cidadãos, são estas as regras.
Em geral, penso que neste momento histórico mundial, o melhor papel para a esquerda seja o de oposição. Do contrário, acabaremos por aceitar as regras do capitalismo financeiro global.
BBC Brasil - Nos anos 90, seu pai foi condenado por corrupção e financiamento ilegal do PSI. Ele chegou a admitir que o financiamento irregular dos partidos era uma praxe na época. Ele poderia ter agido de forma diferente?
Craxi - O que ele disse foi que o financiamento de toda a política na Itália, não apenas a do partido dele, era em parte feito de forma ilegal, porque os partidos não declaravam estes recursos, porque havia uma grande desordem nas regras e, portanto, havia grande tolerância com relação a isso.
Foi um discurso muito aberto e franco sobre a importância do financiamento aos partidos, que é uma das condições fundamentais da democracia.
A política é e deve continuar sendo financiada, no modo mais transparente possível. Ou então não se trata de democracia, mas de regime.
Na minha opinião, a solução é tornar o financiamento aos partidos público e 'desfiscalizar' o financiamento privado.
BBC Brasil - O financiamento dos partidos continua sendo um desafio para a política?
Craxi - Penso que o financiamento à política seja um dos grandes temas da democracia. Mas as acusações de corrupção não devem ser generalizadas.
Há casos de corrupção e casos de financiamento irregular à política, e devem ser diferenciados. Isso vale tanto para os partidos de esquerda, quanto de direita.
O ex-presidente (Fernando) Collor também esteve envolvido em atos de corrupção e por isso sofreu o impeachment.
Reuters
João Vaccari, ex-tesoureiro do PT, foi preso suspeito de envolvimento em escândalo de corrupção investigado pela Lava Jato
BBC Brasil - A situação melhorou após a Operação Mãos Limpas?
Craxi - Mudou para pior. Antes cometia-se ilegalidade para financiar os partidos, hoje comete-se ilegalidades para financiar-se a si mesmos.
BBC Brasil - E o que é pior?
Craxi - Hoje existem ladrões, naquela época não. A Operação Mãos Limpas foi um desastre para a Itália, porque os juízes fizeram carreira e alguns foram inclusive acusados de corrupção, os partidos desapareceram.
Não por acaso um homem rico organizou um partido. E partidos pessoais não são partidos. Por isso acredito que as grandes ideias e os grandes partidos devam ser salvos, apesar dos erros que possam ter cometido.
BBC Brasil - Apesar da Operação Mãos Limpas, o fenômeno de propinas e troca de favores continua sendo um assunto na Itália, com diversos episódios recentes de irregularidades. Existem novas formas de corrupção na política?
Craxi - Sim, e infelizmente não é apenas um problema de leis, mas de cultura, de respeito às regras. É preciso fazer um trabalho profundo principalmente nas classes dirigentes do governo.
É difícil modificar a mentalidade de um criminoso, mas podemos ensinar às novas gerações a respeitar antes de tudo a legalidade, a transparência e o respeito das regras.da BBC Brasil


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Reais (Thinkstock)
Monitoramento internacional sobre financiamentos de campanha em 180 países indica uma tendência mundial de aumento da restrição sobre as doações empresariais

O debate sobre a necessidade de mudar o modelo de financiamento de campanhas no Brasil voltou a ganhar fôlego em meio as denúncias de que propinas cobradas em contratos da Petrobras acabavam irrigando partidos políticos e candidatos como doações oficiais de campanha.
A crescente preocupação com o assunto, porém, não é exclusividade do Brasil. Um monitoramento internacional sobre financiamentos de campanha em 180 países, realizado há quinze anos pelo Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea, na sigla em inglês), indica uma tendência mundial de aumento - ainda que lento - da restrição a doações empresariais.
A proposta de eliminar ou reduzir drasticamente o financiamento de campanhas por empresas não busca apenas atacar o problema da corrupção, observa o diretor da área de Partidos Políticos do Idea, Sam van der Staak. O princípio central que norteia essas medidas é a preocupação com a influência desproporcional que as empresas teriam sobre o Estado por causa dos volumosos recursos destinados a eleger políticos, seja no Executivo ou no Legislativo.
Petrobras (EPA)
No Brasil, discussão sobre proibição voltou a ganhar força após escândalo da Petrobras
"Em todo o mundo, a política se tornou um negócio caro, em tal magnitude que o dinheiro é hoje uma das maiores ameaças à democracia", afirma um relatório de janeiro do instituto.
Segundo Staak, o número de países que baniu completamente o financiamento por empresas cresceu levemente nos últimos quinze anos. Já a criação de limites para as doações "tem sido discutida de forma mais ativa em muitos países", nota ele.

Propostas

No Brasil, o PT e os movimentos sociais estão à frente da proposta de proibir totalmente o financiamento por empresas - dessa forma as campanhas seriam bancadas exclusivamente por recursos públicos e pequenas doações de pessoas físicas.
Os números oficiais mostram que hoje as empresas são as principais financiadoras da disputa eleitoral no Brasil. Nas últimas eleições, partidos e candidatos arrecadaram cerca de R$ 5 bilhões de doações privadas, quase na sua totalidade feitas por empresas. Além disso, receberam no ano passado R$ 308 milhões de recursos públicos por meio do Fundo Partidário, enquanto o tempo "gratuito" de televisão custou R$ 840 milhões aos cofres da União por meio de isenção fiscal para os canais de TV.
No momento, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga uma ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil questionando se a doação por empresas é constitucional. Dos onze ministros, seis já votaram pela proibição desse tipo de financiamento, no entanto, o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo em abril do ano passado e até hoje não proferiu seu voto, no que tem sido criticado como uma manobra para impedir a conclusão do julgamento antes que o próprio Congresso analise a questão.
O PMDB, que hoje tem a presidência da Câmara e do Senado, quer uma alteração menos radical desse modelo. Uma proposta apresentada pelo partido na semana passada sugeriu que empresas só possam doar diretamente a um único partido, mas sem indicar limitação de valores.
Outra proposta, encampada pelo Instituto Ethos e alguns cientistas políticos, prevê que as doações por empresas continuem sendo permitidas, mas que haja um teto baixo para essas transferências. O objetivo, com isso, é reduzir o poder de influência de cada financiador - já que haveria mais doadores transferindo valores semelhantes.
Uma das propostas sobre doações por empresas prevê que haja um teto baixo para essas transferências
O Instituto Ethos foi criado para incentivar práticas socialmente responsáveis no setor privado. Ele tem 585 empresas associadas, entre elas grandes doadoras de campanhas eleitorais como os bancos Bradesco, Itaú e Santander, a construtora WTorre, a rede de frigoríficos Marfrig, e até mesmo empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato, como Camargo Corrêa e Odebrecht.
O instituto defende hoje a adoção de regras que limitem drasticamente as doações por empresas e mesmo a proibição nos casos de companhias que tenham contratos com governos ou sejam sócias de bancos públicos.
Se tal proibição existisse hoje, atingiria diretamente o grupo JBS, maior doador da campanha de 2014. Tendo o BNDES como sócio, o grupo destinou mais de R$ 350 milhões a diferentes políticos na eleição do ano passado e foi também o maior apoiador tanto da campanha da presidente Dilma Rousseff, como da de seu principal adversário, o tucano Aécio Neves.
"A eleição (brasileira) está virando quase que um plano de negócios de mercado", afirma Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos, fazendo referência a um instrumento do mundo corporativo usado para definir os objetivos de uma empresa e o que será feito para alcançá-los.
"Os estudos que fazemos indicam que a eleição a cada ano fica mais cara e o número de votos que os partidos recebem é proporcional aos recursos que eles ganham (de empresas). Na medida em que você limita (as doações), você vai diminuir o peso desse poder econômico", acrescenta Abrahão.
Levantamentos dos jornais Folha de S.Paulo e Estadão com base nas milhares de declarações de candidatos ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) indicam que, em 2014, as doações privadas somaram cerca de R$ 5 bilhões no Brasil - quase o dobro do valor arrecadado em 2006 (R$ 2,6 bilhões, já atualizado pela inflação).
Sam van der Staak, do Idea, nota que as eleições brasileiras são relativamente caras. Segundo levantamento do instituto, o valor gasto em média por voto aqui (US$ 19,90) é cinco vezes maior do que no México (US$ 4,20) e o dobro do que na Costa Rica (US$ 9,60), países onde as doações de empresas são proibidas.

Pelo mundo

O banco de dados do Idea - organização intergovernamental que hoje tem status de observadora na ONU - revela que 39 países proíbem doações de empresas para candidatos, como México, Canadá, Paraguai, Peru, Colômbia, Costa Rica, Portugal, França, Polônia, Ucrânia e Egito. O mais novo integrante do grupo pode ser a Espanha, que atualmente estuda adotar a medida.
Outros 126 países permitem o financiamento de candidatos por empresas, como Brasil, Reino Unido, Itália, Alemanha, Noruega, Argentina, Chile, Venezuela e praticamente toda a África e a Ásia.
A proibição formal, porém, nem sempre impede que o capital corporativo encontre outras formas de influenciar o jogo político, nota Staak. Os Estados Unidos, por exemplo, proíbem doações diretas de empresas, mas como elas são autorizadas a fazer suas próprias campanhas a favor e contra candidatos, na prática os efeitos da restrição são nulos.
Tampouco a corrupção desaparece de uma hora para outra. Um relatório do instituto aponta que o número de infrações detectadas em doações políticas em Portugal cresceu fortemente desde o ano 2000, quando o país proibiu o financiamento empresas.
Em parte, isso é reflexo da fiscalização mais dura que também foi implementada no período, nota o documento. Mas, por outro lado, também observou-se o desenvolvimento de práticas para burlar as restrições às doações privadas, como lista de doadores fantasmas.
"A corrupção tem muito a ver com as atitudes culturais. Muitos países que são menos corruptos (como Noruega e Suécia), até recentemente, não tinha sequer muitas das leis necessárias para conter escândalos de financiamento político. As reformas devem, portanto, ter o objetivo de tornar mais difícil as doações irregulares e ficar sempre um passo à frente dessas práticas", afirma Staak.
Defensor da proibição do financiamento por empresas no Brasil, o filósofo Marcos Nobre, reconhece que a medida não terminará com a corrupção no país como mágica, mas ainda assim defende sua adoção. "O que (a proibição) vai fazer é tornar a disputa eleitoral menos desigual e isso é bom para a democracia", nota ele.
"Para evitar o crescimento do caixa 2 (doações ilegais), o fim do financiamento por empresas tem que vir acompanhado do fortalecimento do Ministério Público e da Justiça Eleitoral", ressaltou.

Limite de doações

Já Cláudio Abramo - ex-diretor da Transparência Brasil, organização especializada em contas eleitorais - critica a proposta por considerar que ela inevitavelmente levaria ao aumento das doações ilegais e também por ver pouco espaço político para sua aprovação no Congresso.
Ele defende que a criação de limites baixos para as doações de empresas seria o melhor caminho para tornar o sistema político mais justo.
"É preciso atacar o problema principal do financiamento hoje, que é a inexistência de limites reais (ao financimento). Então, você tem uma desigualdade imensa entre os doadores de forma que alguns poucos ganham um poder de influência muito maior que outros doadores. A ideia seria limitar muito drasticamente a quantidade de dinheiro que cada grupo empresarial possa dar, reduzindo portanto a influência de cada um deles", afirma.
O levantamento do Idea mostra que 55 países restringem de alguma forma os financiamentos, seja de empresas ou pessoas físicas.
O Brasil estabelece um teto para as doações, mas a regra adotada não segue o padrão internacional e acaba sendo inócua. Enquanto a maioria dos países que têm limites estabelecem valores absolutos (por exemplo, 7,5 mil euros por pessoa, na França), aqui o teto máximo da doação é um percentual dos recursos do doador - 2% do faturamento no ano anterior, no caso das empresas, e 10% da renda, no caso das pessoas físicas.
Grandes empresas e pessoas ricas, portanto, têm um potencial muito maior de influir no processo eleitoral. da BBC Brasil


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