terça-feira, 17 de junho de 2014

Análise psicológica da competição


PSICÓLOGO ANTONIO CARLOS ALVES DE ARAÚJO- C.R.P. 31341/5-
Análise psicológica da competição
A competição é uma espécie de camaleão, se adaptando ou se escondendo em praticamente todos os outros sentimentos ou relacionamentos, tipo: amor, paixão, amizade, relacionamento pais e filhos, casamento dentre outros. Nada é mais excitante para o espírito humano do que a competição, dando vida e força ou ainda um sentido para determinado desejo, meta ou necessidade. Em contrapartida seus efeitos colaterais são terríveis e todos os conhecem: complexo de inferioridade quando se perde, destrutividade, isolamento e timidez (esta oriunda pelo receio de competir abertamente), carência e sabotagem de uma relação afetiva que teria tudo para ser totalmente genuína. A competição remete a raízes genéticas ou atávicas do ser humano, onde num passado longínquo tal fenômeno se misturava totalmente à sobrevivência perante um mundo totalmente hostil, podendo aqui tal tese se inserir no famoso estudo de CHARLES DARWIN sobre a “seleção natural de espécies”, onde o mais adaptado iria sobreviver perante as intempéries da natureza. Mas em nossa sociedade contemporânea o que mudou no quesito da competição? Será que temos ainda de enfrentar animais selvagens, fúria da natureza ou coisas semelhantes? Certamente em determinados casos tal fato é verdadeiro, porém o ponto central de tal discussão é que desde a revolução industrial houve gradativamente um transporte de todo o modelo econômico de exclusão social e competição para o lado pessoal e afetivo. Nossas relações se tornaram meramente uma extensão ou continuidade da luta de classes ou interesses apregoada por KARL MARX, como observei em diversos outros estudos de minha autoria. O stress moderno Causado na luta pela sobrevivência, na verdade jamais esteve ausente do cotidiano do ser humano, apenas tomou uma forma nunca vista anteriormente, produzindo um medo com certeza muito maior que os primeiros seres humanos sentiam perante a natureza que não conseguiam controlar. Hoje a agonia é causada pela opinião alheia, busca da aceitação social, vaidade e coisas do gênero. Mas cabe uma pergunta fundamental, o porquê do prazer da solidariedade e companheirismo é totalmente solapado pela sedução de competir, principalmente com o ente mais próximo? Esta incoerência é explicada pela questão do amor ser colocado em último plano frente às prioridades de nosso cotidiano.
Para os que almejam tirar a prova do que estou dizendo, é só pensarmos em nossa realidade atual; gostamos de nos atualizar em tudo: pós-graduação, bens materiais ou coisas do tipo, menos nossos problemas de relacionamento ou afetivos, que insistimos em postergar o máximo possível. Mas afinal de contas não nos interessamos mais pelo lado pessoal exatamente pelo mesmo não nos gerar lucro? A resposta seria incompleta se pensássemos somente nesse fator, pois a grande questão é a incompetência emocional de nossos tempos, assim como nossa imensa culpa que advém quando lidamos com conflitos íntimos para os quais jamais fomos treinados. A culpa se torna o oposto da competição, onde somos adestrados para essa última desde os primórdios de nossa infância. A dívida mais insuportável que sentimos em nossa alma é para com outro ser humano, principalmente o mais próximo, mas que ao mesmo tempo nos sentimos indolentes para saldá-la. A coisa se torna tão séria nesse ponto, que podemos certamente dizer que a competição norteia quase que absolutamente o próprio sentimento do amor. Mas qual o resultado de tal fusão em nossa era? Obviamente há um declínio da compaixão, solidariedade e da própria humanidade do relacionamento, o que sobra é que uma relação amorosa já vale muito à pena se ambos os parceiros não se prejudicarem mutuamente, ou o popular não trazer azar um ao outro; parece incrível, mas é totalmente nossa realidade.
A competição está próxima à uma droga, narcotizando o conflito em relação à si próprio, projetando completamente a batalha ou desafio no outro. É impressionante como o ser humano sempre necessitou fugir de si mesmo a qualquer custo. A verdade é que a consciência profunda é um fardo; e o famoso provérvio “conhece-te a ti mesmo” é puro desespero em nossa era de projeção como mencionei anteriormente. O competidor é por natureza um ser solitário e tímido; tem a certeza de que seus dotes pessoais são ineficazes para a garantia afetiva dentro de determinada comunidade social, assim sendo, precisa se destacar, alimentando constantemente a inveja do meio circundante, à fim de que notem sua presença. A competição substitui totalmente a generosidade, dedicação e doação pela volúpia de poder sobre outro ser humano, não dando nenhum espaço para a reflexão de determinada conduta pessoal, ou impacto da personalidade do sujeito perante o grupo. O exercício do poder não é e nunca foi mero sadismo como muitos pensam, mas, sobretudo uma blindagem potente contra quaisquer sentimentos de inferioridade. “Agora posso passar desapercebido em relação à todas minhas fraquezas pessoais, e mesmo assim serei aclamado”; esta é sem dúvida a reza máxima do poder. O poder é contra a adaptação saudável, transformação e equilíbrio; sua finalidade última é perpetuar um ego destroçado e capenga na arte do amor e companheirismo. Mas cabe a pergunta sobre o porque o poder se tornou tão maléfico no decorrer da história? A resposta é que o mesmo sempre se alimentou da indolência do espírito do cidadão comum, com total ausência de raciocínio político ou crítica. Neste ponto, o poder começa a sugar toda a energia coletiva, que seria a veia revolucinária ou de mudança da coletividade. Que pena que os movimentos históricos de esquerda do século vinte não enxergaram tal fenômeno. O poder passa então a ser eminentemente radical e autoritário, desafiando tudo e todos, já que conta com a incompetência coletiva para o desafio. O resultado é pura escravização de idéias ou conceitos, já que poucos se arriscam ao desafio citado ou ao comando. Claro que para quem detém o poder o medo sempre reinará, porém, a certeza do absolutismo advém não apenas da alienação das massas, mas, a convicção de que o cidadão comum não quer mais perder tempo neste mundo com a arte da transformação.
Mais interssante ainda é perceber como a competição adentra por completo quase todos os mecanismos psíquicos; pensemos por exemplo na questão da sexualidade, e principalmente no problema da impotência sexual ou ejaculação precoce. Qualquer psicólogo competente já percebeu que tais fenômenos são oriundos do medo do desempenho, ou então da pessoa ser posta em situação de prova, que nada mais é do que a competição levada totalmente para a esfera psicológica ou biológica. Vivemos num mundo automático de idéias e respostas, e sobra muito pouco espaço para uma criatividade genuína que possa nos libertar da agonia diária que sentimos. Outra verdade muito importante é que o chamado respeito pelo próximo nada mais é do que refrear a vontade de invadir o espaço vital deste último, evitando a descarga inconsciente da agressividade sem nenhuma lapidação. Todos sabem que devemos entender as falhas ou subdesenvolvimento em alguma área da pessoa amada, mas se ater ao ponto que acabei de mencionar é a garantia de alguma paz no relacionamento. Mas como diferenciar a paciência em contraste com uma atitude conformista ou inútil para o desenvolvimento do outro? A resposta é que não devemos desafiar determinado conteúdo reprimido que a pessoa não pode ainda elaborar, independente do certo ou errado colocado pela norma moral, pois isso se torna desagregador em todos os aspectos. O fato é que devemos apenas revelar nosso total descontentamento quando sabemos que nosso semelhante teria condições até com relativa facilidade de superar seu dilema pessoal, mas insiste numa prática viciosa de lamúria ou submissão ao sofrimento com o qual se acostumou, reclama, mas insiste em preservá-lo a todo momento.
Afirmo com a máxima certeza profissional que a competição se estabelece totalmente num relacionamento quando o mesmo é capenga no quesito diálogo. Tal fenômeno negativo é o passe livre para todo tipo de fantasia destrutiva adentrar a relação, se tornando o guia do cotidiano da convivência entre ambos. Retomando o que disse inicialmente, a competição ama a mescla com determinados sentimentos: dinheiro, ambição, narcisismo e desejo de superioridade. O fato é que a tragédia psicológica máxima é a recusa de se enxergar verdadeiramente a vida. Pela extrema fragilidade humana, obviamente o complexo de segurança sempre foi a loucura máxima do ser humano em todas as épocas. Este complexo sempre norteou o comportamento competitivo, seja na beleza, estética ou busca de conhecimento ou poder. Posto isto, acho que podemos desvendar completamente o segredo da política: no passado absolutismo como direito natural da preservação de uma elite instituída; no surgimento da era capitalista o sentido da sobrevivência do mais apto perante às regras sociais, sem nenhum remorso frente à moralidade ou ética, independentemente dos preceitos religiosos. Notem que sempre o desejo de superioridade pautou as relações coletivas. A hipocrisia é a blindagem contra a visão exata do altar de exclusão social em todos os níveis ou fenômenos humanos. Depois assistimos o surgimento do socialismo como estrutura política que visou a mitigação da diferença macabra entre as classes sociais. Tal ideologia aceitou passivamente se corromper pela negação absoluta dos mais sórdidos sentimentos humanos, tipo: inveja, ódio e revanchismo, projetando tudo isso em outra classe social, adotando o que havia de pior na alma humana como timoneiro da conduta política e econômica. O ser humano simplesmente sente profundo ódio e rancor, e nunca determinada ideologia soube lidar com tais fenômenos.
A competição imprime uma marca sem fim, ameaça momentaneamente ceder, para depois de determinado contrato ou acordo estabelecido recrudescer numa potência alarmante, “jogando na cara do parceiro” o esforço feito nesse hiato de conflito. A competição nos relacionamentos tem duas facetas: talvez a primeira e mais dolorosa seja a escolha mais do que errada de nosso companheiro; e a segunda, a negação do vício de sempre necessitar de figuras projetivas à fim de canalizar todo o ódio reprimido pelo sujeito. O fato é que o ser humano sempre se mostrou incapaz de lidar com o problema gravíssimo da solidão, sendo que não consegue assimilar que a competição amplifica este último. Se analisarmos o desenvolvimento infantil, notamos que a criança ou o adolescente necessita ganhar determinada disputa para sua autoafirmação, porém, num futuro não muito distante, assistimos as consequências de tal necessidade ter infectado totalmente o lado emocional da pessoa, é então que a inocência perdida se transforma no dilema de um rancor quase que eterno; mesmo a psicologia é um tanto ineficaz para lidar com tal questão. Acho que o que podemos fazer é apenas alertar sobre determinados sentimentos ou fenômenos e suas consequências: inteligência, sucesso, autosuficiência, negação da finitude conduzem invariavelmente ao mais absoluto vazio existencial. Infelizmente o ser humano sempre fracassa ou não tem mecanismos hábeis na arte de transferir potência ou poder para outrem, penso que a maior prova disso tudo é a instituição casamento, onde a falta da troca conduz ao isolamento à dois.
A competição denuncia a ambição em praticamente todas as áreas, onde a consequência é o conflito entre dois pólos: o topo e a decadência após determinada conquista. O drama é que passamos quase que toda a vida desejando, lutando e consumindo ardentemente nossas energias no primeiro tópico, e jamais somos treinados para o inferno do segundo. A competição denuncia também a ambiguidade de escolhas; sabemos que a bondade, generosidade e honestidade geram infortúnio e ruína econômica; ao mesmo tempo que viver disputando nos leva à solidão dilacerante. Pensemos na seguinte metáfora: necessitamos ser animais mais do que selvagens na floresta da competição e sobrevivência que o modelo social nos obriga; e chegamos em casa com a boca cheia de sangue para o fenômeno da afetividade. Infelizmente nossa era denuncia que tudo é um intenso binômio que termina invariavelmente em conflito, distúrbios psicossomáticos ou infelicidade. Diferentemente de nossos ancestrais chamados de “primitivos”, o fato é que não conseguimos há muito tempo proteger um ao outro, no máximo nos distraímos com a companhia de alguém. Perdemos quase que por completo o prazer ou gozo da aceitação em comunidade justamente pelo fenômeno da competição ou loucura do destaque. Até as crianças já notaram que determinados sentimentos positivos parecem aflorar apenas em situações de intensa catástrofe, exploradas incessantemente pela mídia moderna. Quando deveríamos realmente nos manifestar a nívelcoletivo? Diria que quando realmente pudéssemos contribuir com algo original e verdadeiramente criativo.
Jamais houve a necessidade da solidariedade ser testada numa espécie de circo ou palco, ou por imposição de propaganda. Caso isso ocorra, o resultado é pura alienação, onde algo que poderia ser genuíno acaba virando objeto de consumo descartável, vemos tal fato diariamente. A competição é um deus que empresta sua energia para tudo o que for efêmero, descartável e passageiro, detestando qualquer coisa não diria durável, mas que tenha base, solidez e empenho de verdade. A competição detesta raízes, pois esta última implica em respeito, dedicação e vontade de reparo. Competir é aquela ilusão narcisista da unicidade ou autosuficiência, como se realmente pudéssemos ter todos os bens materiais à fim de que nunca mais precisássemos dos outros, pelo temor da negação ou rejeição. Assim como a fama, poder e dinheiro geram a ilusão da imortalidade, a competição gera a ilusão da felicidade sem compromisso, liberdade com total solidão, achando que esta última nunca irá atormentar nosso espírito, e principalmente achar que isolados sabemos manejar com sabedoria e eficiência nossos recursos materiais ou emocionais.